sexta-feira, novembro 05, 2004  

O voto do Brasil
Não canso de me espantar com a alma brasileira: nós somos o máximo. Outro dia abri o Globo Online e estava lá a pesquisa: “em quem você votaria para presidente dos Estados Unidos?” Sensacional. Mas, como era de se esperar num país que elege um sujeito com nome de fruto do mar para a presidência, em primeiro lugar, Kerry, com 78%. Em segundo, Bush, com 9%.

O terceiro na preferência dos brasileiros foi um tal de Leonard J. Peltier, candidato ignorado pela mídia americana que — além de ser parente distante da Marcia Peltier — tem no currículo a condenação pela morte de dois agentes do FBI.

Infelizmente a pesquisa não dizia se ia ou não somar-se ao resultado da apuração americana. E o pobre eleitor brasileiro corre o sério risco de ter seu grito ignorado.

O modelo eleitoral americano
As eleições aqui não são decididas pelo voto popular. Quer dizer, as pessoas votam, mas o voto não importa muito porque não vai necessariamente para o candidato escolhido. O importante não é vencer as eleições no país, mas vencer nos estados.

Cada estado tem um número de votos que varia de acordo com sua população e importância econômica. O candidato vencedor em cada estado leva todos dos votos daquele estado, mesmo que tenha vencido por 1% de diferença. O Texas, por exemplo, tem 34 votos. Apesar de 38% dos eleitores daqui terem votado para o Kerry, todos os 34 votos do estado foram para o Bush.

Como nem tudo é perfeito, esse modelo eleitoral abre brechas para bizarrices democráticas. Foi o que aconteceu em 2000: Al Gore teve mais votos populares do que Bush, mas Bush ganhou em mais colégios eleitorais. Ou seja: venceu quem teve menos votos.

Injusto? Bem, o petista do Michael Moore responderia que sim. Mas, se fosse da minha conta, eu diria que não. As regras do jogo estão aí há séculos e ninguém nunca se mexeu para mudá-las. Portanto, querendo ou não, o Bush é um presidente legítimo. E, se os democratas insatisfeitos tivessem colhão, deveriam ter tentado dar um golpe militar. É isso o que eu acho.

Diferentes, mas iguaizinhos
Enfim. A imprensa daqui diz agora que esta eleição deixou o país dividido. E um mapa do resultado faz parecer que essa divisão é verdadeira: quem mora nas cidades grandes nos dois litorais votou para o Kerry. Na imensa zona rural no meio do país, todas as codornas, vacas e espigas de milho ajudaram a reeleger o Bush.

Mas eu não entendo como as pessoas podem achar tanto pano pra manga em debates sobre duas pessoas que representam basicamente a mesma coisa. Amigos, isso daqui é a maior política de café-com-leite da história. Há seculos apenas dois partidos se revezam no poder e os dois são iguaizinhos. Ambos reconhecem que time que está ganhando não se mexe. Portanto, nenhum dos dois mudaria nada tanto na política interna quanto na externa.

Questões em debate
Saúde, por exemplo, custa e vai continuar custando o olho da cara. A diferença é que, enquanto o Kerry falava isso fingindo que dizia o contrário, o Bush xingava o Kerry de “o senador mais liberal de Washington” e dizia que ele ia estatizar a saúde pública do país, como um comunista. Outro exemplo: relações exteriores. Seja já quem for o presidente, Bush ou Kerry invadiriam qualquer Iraque que tivesse que ser invadido. A diferença é que o Bush invadiria a seco e o Kerry daria uma cuspidinha antes.

Em relação às questões morais — que seriam irrelevantes se este país realmente tivesse problemas sérios —, ambos são contra o aborto e o casamento gay. A diferença é que o Bush gritava para o mundo inteiro que era contra, e o Kerry era contra fingindo ser a favor.

Em poucas palavras, ganhou aquele que teve coragem de confessar o que pensava (na certeza de que o país tem mais radicais religiosos do que gays e mulheres querendo abortar).

E nós? E nós?
Por fim, é interessante ver o debate fervoroso em torno de Bush e Kerry também no Brasil. Felizmente, parece que somos mais articulados para falar das eleições americanas do que das nossas. Afinal, é muito importante entender o que pensa e como vota quem realmente está no poder. Mas, seja lá de que lado amigos estiverem, não esqueçam de uma coisa: antes de mais nada, nossa opinião não interessa.

posted by Sergio | 5:46 PM
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